quinta-feira, 29 de março de 2012


Alberto Caeiro
 
V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada
 
     Há metafísica bastante em não pensar em nada.
      O que penso eu do mundo?  
     Sei lá o que penso do mundo!  
     Se eu adoecesse pensaria nisso.
     Que idéia tenho eu das cousas?
     Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
     Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
     E sobre a criação do Mundo?
     Não sei.  Para mim pensar nisso é fechar os olhos 
     E não pensar. É correr as cortinas
     Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
     O mistério das cousas?  Sei lá o que é mistério!
     O único mistério é haver quem pense no mistério.
     Quem está ao sol e fecha os olhos,
     Começa a não saber o que é o sol
     E a pensar muitas cousas cheias de calor.  
     Mas abre os olhos e vê o sol,
     E já não pode pensar em nada,
     Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
     De todos os filósofos e de todos os poetas.
     A luz do sol não sabe o que faz
     E por isso não erra e é comum e boa.
     Metafísica?  Que metafísica têm aquelas árvores?
     A de serem verdes e copadas e de terem ramos
     E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, 
     A nós, que não sabemos dar por elas.
     Mas que melhor metafísica que a delas,
     Que é a de não saber para que vivem
     Nem saber que o não sabem?
     "Constituição íntima das cousas"...
     "Sentido íntimo do Universo"...
     Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. 
     É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
     É como pensar em razões e fins
     Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores 
     Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
     Pensar no sentido íntimo das cousas 
     É acrescentado, como pensar na saúde 
     Ou levar um copo à água das fontes.
     O único sentido íntimo das cousas
     É elas não terem sentido íntimo nenhum.  
     Não acredito em Deus porque nunca o vi.  
     Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
     Sem dúvida que viria falar comigo
     E entraria pela minha porta dentro
     Dizendo-me, Aqui estou!
     (Isto é talvez ridículo aos ouvidos
     De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
     Não compreende quem fala delas
     Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
     Mas se Deus é as flores e as árvores 
     E os montes e sol e o luar,
     Então acredito nele,
     Então acredito nele a toda a hora,
     E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
     E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
     Mas se Deus é as árvores e as flores 
     E os montes e o luar e o sol,
     Para que lhe chamo eu Deus?
     Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; 
     Porque, se ele se fez, para eu o ver,
     Sol e luar e flores e árvores e montes,
     Se ele me aparece como sendo árvores e montes
     E luar e sol e flores,
     É que ele quer que eu o conheça
     Como árvores e montes e flores e luar e sol.  
     E por isso eu obedeço-lhe, 
     (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).  
     Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
     Como quem abre os olhos e vê,
     E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
     E amo-o sem pensar nele,
     E penso-o vendo e ouvindo,
     E ando com ele a toda a hora.

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